A criatividade como elemento da nossa identidade

Le Chieppe
3 min readAug 3, 2023

Sentei para escrever esse texto antes de terminar o último capítulo que me resta do livro delicioso “Talvez você deva conversar com alguém”. Não preciso ler as páginas finais para dizer que essa obra é, simplesmente, linda.

De linguagem fácil e repleta de sentimentos, foram vários os insights que as palavras de Lori Gottlieb me trouxeram. Durante a narrativa pensei sobre a morte, o amor, liberdade e solidão.

Mas, hoje, o que eu quero dividir é sobre criatividade.

Tenho pensado demais sobre processos criativos. Sobre quando eu, e a maioria de nós, éramos crianças, usávamos nossa criatividade a cada instante. Vivíamos em um universo de constante experimentação, sempre colocando autenticidade em cada tarefa, por menor que fosse.

Quando criança eu dançava, pintava, fotografava, fazia colagens… Muitas vezes tudo isso em um único dia. Eu escrevia muito, muito mesmo. Enchia cadernos de devaneios sem sentido algum, reflexões que — como essa — poderiam simplesmente não chegar a lugar algum.

Quando cresci, deixei de lado boa parte do meu lado artístico. Não me considerava boa o suficiente para exercer essas áreas, por mais que me fizessem feliz. Não alcançaria a excelência em dança, pintura, fotografia… Mesmo a escrita, eu continuava por profundo amor.

E nisso, não me sentia no direito de me auto intitular escritora. Parecia que estava cometendo um pecado, roubando uma palavra que não deveria ser minha. Escritora precisa de livro publicado? De prêmio Jabuti na estante? De best-seller no The New York Times?

Em relação as outras expressões artísticas, abandonadas, eu achava que não havia um ponto em praticá-las. À parte da minha paixão absoluta e intocável pela escrita, eu podia viver sem fazer colagens. Sem fotografar. Sem dançar ballet. Afinal, eram hobbies nas quais eu sequer era boa! Eu nunca ganharia a vida como bailarina com a minha (falta de) coordenação motora.

E ultimamente tenho pensado que aí está um de nossos erros mais gigantescos nessa curta existência que nos é concedida: queremos que as coisas tenham um objetivo, quando elas simplesmente bastam.

O criar só por criar é visto com maus olhos. É julgado. Se você pinta, deveria fazer pinturas exuberantes. Se escreve, deveria produzir apenas obras primas. Se faz cerâmica, suas peças deverão ser de um excelência inigualável.

Mas, não. Podemos criar por puro prazer, sem vergonha de que sejamos indignos da tarefa que realizamos. Em uma passagem Lori diz:

Se você passa pela vida cheio de exigências, se não reconhece que ‘o perfeito é inimigo do bom’, pode se privar da alegria.

Ao buscar a perfeição, esquecemos que, no final das contas, o nosso propósito nessa vida é a felicidade. E se pararmos um pouco de querer atingir essa excelência suprema, olhando nossos dias com uma autenticidade resgatada da infância, poderemos, enfim, encher nossos dias de alegria.

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